“Mas o que
você faz aqui ainda?”
Foi com essa
frase que desencadeei tudo. Eu estive ali no camarim o tempo todo, ajudando com
figurinos e maquiagens, com avisos de horário e com minhas seletas frases de
encorajamento. Atores, atrizes: seres mais histéricos e carentes de atenção eu
nunca vi. Ao final, todos estavam prontos para ascender ao palco e dar início
ao espetáculo de mentiras coletivas. Todos, menos um.
- Não entendi
o porquê da enrolação. Vamos, todos já subiram.
Seus olhos
verdes, quentes como as águas do Caribe, porém tão erráticos e enganosos como
as grandes ondas da mesma região, me fitavam com ardor. No rosto ele portava um
sorriso dúbio, uma expressão que eu não sabia como classificar, mas que
provavelmente se encaixaria entre o desejo e a crueldade. Com uma mão ajeitou
os fios de cabelo dourados que pendiam em sua testa, enquanto se movia
lentamente em minha direção. Aquela visão me atordoava, me fazia tremer,
deixava minha visão turva e minha respiração pesada. Logo eu, que sempre me
considerei tão sensato, tão cerebral... Estava ali, quase paralisado, talvez
por medo, talvez por fascínio.
Sem proferir
uma única palavra me envolveu em seus braços, e antes que eu pudesse protestar
cobriu minha boca com a sua. Juro que podia sentir como se ele tivesse tocado
meus lábios com uma escaldante brasa, que violentamente os havia selado para
todo o sempre. Embora ele me tocasse com delicadeza, eu me sentia como uma
presa sendo estraçalhada viva por um predador maior. Seu corpo todo emanava a
selvageria de um grande felino, sua boca asfixiante e sua língua invasora
tinham gosto de mel e sangue. Meu sangue.
Agora havia
entendido o porquê da demora; ele me queria sozinho, desprotegido,
completamente sem saída. Senti-me desejado, como se ele finalmente houvesse
descoberto a real extensão de meus sentimentos e resolvido retribuir a seu
jeito. Com uma piscadela e um meio-sorriso me soltou e
correu em direção às escadas. Fiquei ali no camarim por mais alguns minutos,
tentando pensar se estava bem ou mal, se naquele momento eu tinha sido amado ou
brutalizado. Mas será que isso realmente importa? Não sei. Tudo que sei é que
isso que sinto agora não tem um nome.
(Thèrese Nouvion)
Amo essa autora.
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