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sábado, 12 de dezembro de 2020

Em silêncio

 Ele, o pai, corta uma fatia de pão. Ele, o filho, também.

Os dois servem-se de uma xícara generosa de café. O pai não adoça, adiciona leite. O filho, ainda está refém do açúcar. 

Sentam-se à mesa, um de frente para o outro. Ele, de óculos escuros e o pai, bem, o pai usa os óculos de grau. 

Eles se servem de pão, queijo, presunto e silêncio. 

Não há necessidade de dizer uma palavra. Silêncio. 

O pai termina o café, ele, entre as mordidas naquele pão árido, chora e tenta esconder as lágrimas atrás daqueles óculos escuros. Droga! Elas escapam. 

As bochechas estão úmidas. Ele, o pai, se distrai. Ele, o filho, as enxuga rapidamente.

Ele, o pai, levanta. Terminou o ritual matinal, sem ignorar ele, o filho. 

Ele, o pai, deixou o filho viver o momento dele. Em silêncio, entendeu que ele, o filho, queria ficar quieto.

Ele, o filho, usa de artifícios destilados para se permitir sentir. 

Eles, os amigos e a família, devem achar que ele é apenas um embriagado. 

Ele, o filho, permite-se usar da única droga que ele pode controlar, em medidas, o quanto pode se permitir sentir. Pois uma vez sóbrio, ele é rocha.

Hoje, data solene, dia ridículo que ele quis esquecer. Hoje, o dia grita, seja por ser dezembro, seja por ser apenas aquele ridículo número 12. 

Hoje, ele quis tanto falar e não conseguiu. Hoje, ele preferiu ficar em silêncio.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Sarcasmo

E então eu nasci: bebê. Não O bebê ou A bebê, apenas bebê. Afinal de contas, a sociedade ainda não havia me estimulado a ser alguma coisa. 
Enquanto eu existia bebê, meus pais não quiseram esperar pela sociedade e decidiram me estimular por conta própria. Decidiram que eu seria então O bebê. Usei roupa azul, só fui apresentado a brincadeiras de garotos, sempre brinquei de carrinho, bola, vídeo-game (de lutinha, corrida ou futebol, nada de jogos de menininhas). A Barbie era uma vadia burra, não tinha nada a oferecer. Bonecas em geral né. O bom mesmo era o boneco do He-Man, do Jiraya, dos Power Rangers (aliás, o azul era meu preferido). 
Fui o bebê, o criança, o adolescente. Tanto estímulo certo que me tornei um heterossexual de muito sucesso e convicção. 
Que bom que meus pais me estimularam da maneira correta, pois quando a sociedade chegou, eu já sabia bem o que eu queria, as influências erradas nunca chegaram perto de mim (divas pop, mundo da moda, dança), aliás, dançar pela arte é coisa de bicha, eu danço mesmo é pra pegar mulher. Aprendi dois ou três conjuntos de passos, faço umas firulas e pronto. Tudo certo. Sou um caso de sucesso. Assim que bebês nascem, pais, decidam se querem que eles sejam o bebê ou a bebê.