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domingo, 30 de dezembro de 2018

Tudo bem?

A trivial pergunta "tudo bem?" nunca mais teve o mesmo efeito - ao menos não teve mais a mesma resposta. Eu não faço ideia se estou bem ou mal, eu apenas vou seguindo. Há dias em que parece que tudo foi superado, em outros parece que foi ontem, pois a dor me consome por inteiro. Me sinto derrotado.
Apesar de eu estar lidando com as minhas questões, tenho tendência a me fechar em meu casulo ou criar uma espécie de muralha, e sobrevivo. Porém, em alguns momentos esta muralha cai e então eu exponho toda a minha vulnerabilidade e me despedaço. Será que isto algum dia vai passar?
Então eu passo a evitar as coisas que me deixam vulnerável e exposto, infelizmente eu acabo voltando ao casulo. Ando tão cansado, sem ter tido o tempo pra mim e com isso acabo extremamente irritado, não quero ver pessoas, não quero sair pela rua, não quero ouvir música e nem trocar de roupa. Mas sou forçado a fazer tudo isso e então buuum, eu explodo feito uma bexiga que recebeu mais ar do que poderia aguentar.
Eu estou assim, inconstante... mas sou cobrado por isso e a cobrança me faz retroceder mais ao invés de me permitir avançar. Está difícil. Sigo calado.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A última

Ontem foi a última. Pela primeira vez, foi a minha última apresentação do ano.
Da última vez em que estive lá, ele ainda vivia (já no hospital, mas vivia). Da última vez que me recordo, dancei aquela coreografia com ele literalmente ao meu lado, e foi a última coreografia de ontem, a última coreografia do ano.
Foi difícil ontem. Eu o via em todos os cantos, eu o via tirando fotos naquele estande com os anjos, pois pelo que eu me lembre, da última vez ele tirou algumas fotos ali.
Últimos dias do ano, primeiras datas festivas sem ele. Ando mais sensível, minha tristeza/saudade se transforma em irritação, pois se une ao cansaço do ano conturbado. Eu preciso parar, preciso de uma pausa. Preciso fazer nada.
Ontem foi a última...
Ah, se eu soubesse que aquela seria a nossa última dança.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A máscara

"Agora eu já posso passear." Foi o que você me disse quando recebeu esta máscara. Estava todo contente por ter tido a oportunidade de sair daquele quarto de hospital, após dias sem ver a luz do sol. 
"Sexta-feira eu acho que já vou para casa!" Você me contou. Contudo, na sexta, meu telefone tocou e a voz do outro lado dizia: "Teu irmão foi para a UTI. Apenas para..." e ali eu já sabia que tinha alguma coisa errada e aquela informação era um tanto falsa. Até mesmo a voz do meu pai, do outro lado da linha, carregava a incerteza em tudo o que proferia. "É, teu irmão não sai dessa não!" A frase que não me assustou, mas me feriu bem fundo pelo simples fato de eu ter concordado com ela. Não era pessimismo, não era falta de esperança, acredite. Na verdade, poucos tiveram a coragem de falar em voz alta como o meu pai fez. Como eu também o fiz: "Amiga, meu irmão não sai daquele hospital." Falei aos prantos a frase que mais me machucava, a verdade que mais corroía o meu ser. 
Antes de toda a nossa rotina avassaladora que durou 29 dias, eu disse ao meu irmão "hoje você não volta pra casa". Falei por saber que ele estava mal e precisava ficar internado um pouquinho. O problema é que ele não voltou de verdade. Também teve a profética: "Nossa, deve ser a tua única refeição do dia." Demos risada, pois ele me contava sobre o tamanho do pão que serviram no café. E, de fato, nunca mais ele comeu normalmente, pois poucos dias após estas mensagens, o coma. 
A hora do almoço nunca mais foi a mesma. Era o momento de receber o boletim diário daqueles que haviam ido à visita. Eu comia sem sentir gosto ou cheiro. Eu comia sem ter fome. Eu comia porque eu sabia que precisava de energia para viver. Eu comia querendo morrer. 
"Mãe, minha colega de trabalho ofereceu umas sementes e orações, se você acreditar pod..." fui interrompido por ela: "Filho, teu irmão está desenganado." O tempo parou, o vento soprou mais devagar, as pessoas se moviam feito borrões ao meu redor, nenhum som mais foi ouvido. Eu me encontrava ali, naquela sala que se tornou imensa, senti-me sozinho e abandonado. Então meu telefone começou a tocar, mensagens começaram a chegar. Todos querendo saber o que estava acontecendo, e eu apenas desaparecendo. Eu não tinha mais forças para atualizar os amigos. Passei a mentir "ele está estável, não melhora e nem piora." 
Voltei ao mês de janeiro quando contei a mentira maior. Meus pais saíram de férias e me deixaram uma tarefa - "Fique de olho em seu irmão, ele anda muito estranho", respondi prontamente que não tiraria os olhos dele. Realmente, ele estava estranho, falava menos, saía do quarto menos, comia menos, fazia tudo menos. Quando tive a chance, falei sobre o tamanho da minha preocupação por ele... finalmente ele me confessou. Dizia ter dores ao comer, que já havia ido ao médico, tudo estava em ordem, logo a saúde estaria de volta ao normal. Mentira. Mentira atrás de mentira. Mandei mensagem aos meus pais e assinei a sentença: "Ele está bem, só queria ficar um pouco sozinho. Aproveitem a viagem." Eu só pensava em não deixar meus pais tão preocupados, pois parecia ser algo tão pequeno. Afinal, ele havia ido ao médico que o diagnosticou com gastrite. Remédios tomados, tudo sendo bem tratado. 

Mas ele continuava fazendo tudo menos. Veio a tosse suspeita, mas o próprio nos disse "É reação ao medicamento." Fingimos acreditar, hoje eu penso que deveríamos era ter sido teimosos e tomar uma atitude mais agressiva. Não, não quero lidar com os "e se" da vida, acredito que tudo aconteceu porque sim! Um dia antes de ser internado, passou a tarde com os sobrinhos, mesmo com dores horrendas na coluna. Já era o primeiro passo de sua despedida. "Você vai ao médico, conte tudo o que está acontecendo, não esconda nada! Se voltar pra casa eu te carrego de volta debaixo de porrada. Você não vai voltar pra casa..." E foram minhas últimas palavras cara a cara com meu irmão. Depois foram apenas desejos, esperando atingir seu coração... o coma! E tudo acabou. Logo eu que não ligo para datas, veio o dia 12 e ocupou a vaga. Eu tento não pensar, tento não contar, mas quando a data chega, impossível indiferente eu ficar. 

"Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do caminho..." (Santo Agostinho)