A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS - MARCOS ZUSAK
(resenha para disciplina de produção de textos na faculdade, em 2009)
“Quando a Morte conta uma história, você deve parar de ler.” Essa frase impera solitária na contracapa, escrita em um tom de vermelho que contrasta com o fundo branco e que discretamente nos dá uma ordem: NÃO LEIA. Tudo o que é proibido nos desperta certo interesse, e com uma “advertência” dessas não seria diferente. Aguçando a nossa curiosidade, nos faz mergulhar nas páginas desse romance.
Markus Zusak, munido de um lirismo encantador, nos conta a história de Liesel Meminger, que foi adotada por um casal pobre para fugir do Nazismo na Alemanha. Com isso seu novo endereço passaria a ser a Rua Himmel, na cidade de Molching, que ficava além dos arredores de Munique. A novidade fica por conta de nossa anfitriã, a Morte. Será ela que nos guiará durante toda essa narrativa. A ceifadora de almas se encontrou por três vezes com Meminger, e nesses três encontros ela conseguiu sair viva. Impressionada com tamanha façanha, a Morte resolve nos contar sua história.
Polidamente, como toda boa anfitriã, a ceifadora se apresenta. Logo depois nos introduz à menina roubadora de livros que até o presente momento era apenas uma menina. Acompanhada pela mãe biológica, a pequena Liesel e seu irmão de seis anos seguem de trem ao encontro da nova família. Mas por um infortúnio, após um acesso de tosse, o menino acaba falecendo durante a viagem. O garoto foi enterrado ao lado da linha férrea, o chão totalmente coberto pela neve e graças ao descuido de um jovem coveiro, Liesel estaria prestes a se tornar a roubadora de livros. Pois jazia ali na neve, aquele ponto preto que quase passou batido aos olhos de Liesel, O Manual do Coveiro. Algo inexplicável a fez querer pegar aquele livro, mesmo ainda sem saber ler uma palavra sequer.
Os novos pais de Liesel eram Hans e Rosa Hubermann. Ele um pintor desempregado e ela uma dona de casa rabugenta. É possível aos poucos se acostumar com o jeito de Rosa e compreender sua estranha forma de demonstrar amor, mesmo muitas vezes parecendo que ela não tenha coração. Esse efeito é totalmente contrário com Hans, é fácil se apaixonar por ele quase que de imediato. E é também o próprio que ensina Liesel a ler. Como na noite em que ele descobre O Manual do Coveiro escondido embaixo do colchão de sua filha. Após um curto diálogo com ela, os dois decidem ler o livro. Claro que foi Hans quem o leu, e a partir daquela noite decidiu ajudar sua filha a ler. É bom ressaltar que a Rua Himmel, na tradução mostrada pela nossa narradora, significava céu. Fazendo uma análise do contexto, é um interessante jogo com as palavras, pois Liesel havia se mudado para essa rua justamente para fugir dos terrores do Nazismo, enfrentou a morte do irmão e teve que se separar da mãe, sem saber se a mesma ainda estava viva ou não. Mesmo a rua não sendo um paraíso na Terra – feito impossível, ainda mais ao se tratar de uma guerra –, fica claro o contexto de “salvação”, uma vez que a garota foge do inferno e se dirige rumo ao céu, mesmo que esse céu seja apenas o nome de uma rua.
Liesel escondia O Manual do Coveiro embaixo do colchão e vez ou outra o tirava de lá, e ficava segurando, fixando o olhar naquela capa preta, nas letras ali impressas. Como ainda não sabia ler, não fazia a menor ideia do que estava escrito ali, e isso nem tinha tanta importância. O mais importante para ela era o significado do livro, pois foi a última vez que tinha visto seu irmão e sua mãe. A descoberta do Manual feita por Hans aconteceu numa noite em que Liesel desperta de um pesadelo e acaba fazendo xixi na cama. Ao retirar o lençol, o livro acaba vindo junto com o tecido e vai ao chão. Por fim, tornou-se um hábito as visitas noturnas do pai ao quarto da filha, momentos de calmaria e ternura que preenchem o vazio criado pela guerra.
Com isso Liesel descobriu algo novo: o mundo das palavras. Um mundo que a ajudaria a sobreviver em uma realidade inconstante, uma vida que parecia sem futuro. As palavras eram tão fortes e significativas em sua vida, que Liesel ainda roubaria outros livros no decorrer de toda a história, uns da mesma forma como foi o seu primeiro furto e outros de forma descarada. Como fazia ao roubar da biblioteca da esposa do Prefeito. A dona da biblioteca sabia dos furtos e propositadamente deixava a situação favorável para a menina. A esposa do prefeito foi uma das melhores amigas de Liesel, e que ela demorou a perceber como tal.
Outros personagens também foram fundamentais em sua vida. Como o garoto Rudy Steiner, seu melhor amigo e namorado que nunca teve. De extrema importância foi também a amizade que teve com o judeu do porão. Hans prometeu a um amigo que o ajudaria sempre que precisasse, e o momento era esse. O filho desse amigo de Hans era o judeu Max, que também fugiu de toda a perseguição na Alemanha e foi parar ali na rua Himmel, no porão dos Hubermann. Era um amigo e ao mesmo tempo um fantasma. Ele não poderia ser visto por outras pessoas e Liesel sequer poderia falar dele para alguém, muito menos para Rudy. O aparecimento de Max na história nos dá mais ânimo, mostra uma Liesel mais empolgada e preocupada. Tanto que ela zelou pelo judeu do porão enquanto ele estava adoecido. Ela verificava todos os dias se ele respirava. Sem contar que causou uma mudança no humor de Rosa, ela estava menos irritada.
Enfim, essa é uma obra rica em sua narrativa. Markus Zusak deixa a história saborosa aos nossos olhos, nos faz parecer uma criança solta em uma loja de doces, querendo devorar cada página. As metáforas usadas a deixam mais leve, como quando o autor diz que “as árvores usavam cobertores de gelo” ou “o avião ainda tossia. A fumaça vazava de seus dois pulmões”. E o foco desse livro é o poder das palavras, que podem ajudar e derrubar, construir e destruir. Palavras que fizeram de Liesel Meminger viva. Palavras, que semeadas pelo Führer, também moveram uma nação e seus partidários, palavras que quase dominaram o mundo. Meminger usaria as palavras que saltitavam de seus livros para acalmar a todos que se encontravam no abrigo durante os bombardeios. Essa sua façanha e intimidade com as palavras, fez com que Max escrevesse uma pequena história inspirada na menina e depois daria de presente a ela e mais tarde a própria Liesel escreveria a sua.
Enfatiza-se a importância das palavras na vida de Liesel e brilhantemente tal importância é retratada na história criada por Max. Foi a leitura e sua fome por ler que pôde manter a pequena Meminger esperançosa e acreditando que alguma salvação era possível. Ler era a sua fuga. E definitivamente as palavras deixaram a nossa Liesel viver.
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